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“Brasil andava mais democrático, o mundo, no entanto, estava mais maniqueísta, intolerante e polarizado”
Publicado em 11/10/2018 por Clodomiro José Bannwart Júnior é Coautor dos Livros "Responsabilidade Integral: Metodologia estratégica para o desenvolvimento pessoal, corporativo e educacional” e “A Pedagogia da Responsabilidade Integral e a BNCC”. Professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.

Kelsen na OAB

Clodomiro José Bannwart Júnior

Kelsen já esteve na OAB? A pergunta é ambígua porque a resposta, além de afirmativa, impõe duas considerações.

A primeira refere-se ao fato de que a banca da FGV, no XVII Exame da Ordem, cobrou uma questão sobre Hans Kelsen a respeito da interpretação jurídica em sua obra Teoria Pura do Direito. Portanto, é razoável dizer que Kelsen já esteve na prova da OAB.

A segunda, talvez menos conhecida, é que Hans Kelsen esteve de fato no Instituto da Ordem do Advogados, no Rio de Janeiro, onde proferiu palestra sobre “A responsabilidade individual e coletiva do Estado no Direito Internacional”. Como se sabe, o regulamento inaugural da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi aprovado no ano de 1931. Então, é acertado afirmar que Kelsen já esteve na OAB, a saber, na instituição da Ordem dos Advogados.

Hans Kelsen visitou o brasil em 1949 e sua palestra na Ordem dos Advogados foi realizada em 31 de agosto daquele ano. Na época, ela já era considerado um renomado jurista, conhecido internacionalmente. No início da década de 1930, foi um dos responsáveis pela elaboração da Constituição da Áustria. A sua obra mais propalada e conhecida do público geral, Teoria Pura do Direito, fez dele referência emblemática do Positivismo Jurídico do século XX.

Depois de passar pela Argentina e Uruguai, Kelsen desembarcou no Rio de Janeiro no dia 25 de agosto de 1949 para uma série de palestras na capital do país. O excelente artigo “A visita de Hans Kelsen ao Rio de Janeiro (1949), do professor Gustavo Silveira Siqueira, da UERJ, reaviva os detalhes da estada do ilustre jurista no Brasil.

Nas palavras de Lilia Schwarcz, em 1949, o “Brasil andava mais democrático, o mundo, no entanto, estava mais maniqueísta, intolerante e polarizado” (SCHWARCZ, 2015, p. 397). Com o fim da Segunda Guerra, a geopolítica redesenhava rapidamente o cenário mundial e criava o enredo que projetaria as relações internacionais nas décadas seguintes, sob o frágil tabuleiro da guerra fria. A democracia, mesmo com a derrocada dos regimes autoritários, era artigo raro no mundo. Aqui no Brasil, a redemocratização ocorria a passos lentos e a presidência de Dutra, iniciada em 1945, não deixava de ser arbitrária em política e desastrada em economia (SCHWARCZ, 2015, p. 398).

Em entrevista concedida ao Diário de Notícias, de 31 de agosto de 1949, Kelsen foi questionado se o Direito teria sofrido profundas alterações ao acompanhar as transformações do mundo moderno. Na sua resposta, registrada pelo jornal, ele afirmou: “No século passado, os princípios do sistema democrático eram praticamente aceitos, se não executados por todos os povos do mundo, não sendo posto em dúvida sua superioridade. No século em que vivemos, entretanto, a democracia tem sido desafiada à luta e posta em dúvida sua excelência. Esta luta é que se tem traduzido nas alterações sofridas pelo Direito Constitucional, sendo as principais o estabelecimento, no mundo civilizado, de formas de Governo autócratas, ditaturas de um só partido, como o fascismo, o nazismo e o comunismo” (SIQUEIRA, 2017, p. 168).

Na ocasião, circulou também matéria jornalista ilustrando o tom crítico que alguns juristas já dirigiam à Kelsen. O Diário carioca “O Foro”, por exemplo, havia trazido à tona as palavras de Pedro Calmon, professor de Direito Constitucional da Faculdade Nacional de Direito. O professor afirmava que a democracia deveria ser considerada como uma flor. E na sequência do texto, em menção à Kelsen, emendou: “Ali estava [Kelsen], talvez pagando os seus pecados de excesso de pureza. Tão perfeita, tão equilibrada, tão exata saíra de suas mãos a constituição da Áustria, que não pudera resistir às impurezas do mundo. E assim da mesma forma que os teóricos de Weimar haviam gerado a besta nazista, e Losada produzia Franco, Hans Kelsen, paradoxalmente abria margem ao Ancheluss. Sim, pois sendo a democracia uma flor, a sua delicadeza desprotegida não pudera resistir à violência dos ventos que então sopravam nos esfacelados jardins europeus” (SIQUEIRA, 2017, p. 165, 166).


Referências bibliográficas

SCHWARCZ, Lilia M; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

SIQUEIRA, Gustavo Silveira. A visita de Hans Kelsen ao Rio de Janeiro (1949). In: Revista Culturas Jurídicas, Vol. 4, Número 7, jan/abr. 2017, pp. 158-188.

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