Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram alguns magos do Oriente a Jerusalém, perguntando: ‘Onde está o rei dos Judeus recém-nascido?’. Dentre os grandes sábios do Oriente havia um astrólogo, muito sábio – mais sábio que o Rei Salomão e todos os filósofos da Antiguidade juntos. Conhecedor dos astros, o grande astrólogo notou que a estrela resplandecente no céu era avermelhada. Era um sinal de que o estranho astro estava conduzindo os sábios – pesquisadores universitários da época – a um local ameaçador, a uma manjedoura.
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O astrólogo, sem pestanejar, vociferou com sua arrogância habitual dizendo que o Menino seria responsável pelo nascimento do globalismo espiritual na face da terra. Este menino era perigoso para a fé Judaica, pois a cor avermelhada da estrela não deixava dúvida de que Ele chamaria a todos de irmãos, igualaria Samaritanos e Judeus, perdoaria os pecados e denunciaria as injustiças deste mundo. Era preciso fazer algo. O grande astrólogo enviou mensageiros à Herodes, este que há pouco conquistava o poder da Judeia, prometendo acabar com a corrupção na hierarquia palaciana.
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O rei Herodes ficou alarmado e com ele todo o seu séquito de seguidores. Antes que os três reis magos chegassem à Jerusalém, a notícia de que um menino implantaria o globalismo em toda a Judeia havia se espalhado como fogo em palha. As Sinagogas faziam coro ao alerta do grande guru. As senhoras piedosas jejuavam e faziam correntes de orações espalhando a notícia de casa em casa.
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E clamando os chefes dos sacerdotes e os escribas do povo, Herodes convocou o exército para cumprir a missão patriótica de salvar a Judeia do globalismo espiritual. Era inadmissível perder o status de povo escolhido e ser subjugado a uma fé globalista, que incluiria a todos numa mesma filiação divina, convertendo estranhos em irmãos e fazendo dos distantes pessoas próximas de Deus.
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Herodes, então, enviou uma comitiva ao encontro do Menino. Marcharam nesta procissão os oficiais militares de alta patente, acompanhados do Sumo Sacerdote, de um Juiz Imperial e de um Procurador Romano. A eles somaram uma turba de religiosos dispostos a salvaguardar a fé em Javé. Afinal, onde havia de nascer o Cristo? “Em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta”. A comitiva de Herodes, com militares altamente armados, partiu para Belém. No caminho, a multidão gritava palavras de ordem: “A fé acima de tudo, Javé acima de todos”. À turba misturavam-se animais dispersos pelo caminho, inúmeras ovelhas e muito gado.
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E eis que a estrela que tinham visto ia à frente deles até que parou sobre o lugar onde estava o menino. A entrar no estábulo, viram o Menino com Maria, sua mãe, deitado na manjedoura. No entorno haviam alguns animais e muitos pastores. Naquela região havia um acampamento de pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias montavam guarda dos rebanhos.
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Ao entrar no estábulo, o Procurador impetrou uma denúncia ao juiz, solicitando a prisão dos presentes, pois aquele ambiente, na sua avaliação, era um mocó. Um bando de vagabundos sem tetos e desocupados. Herodes havia há pouco baixado um decreto declarando a ilegalidade dos movimentos sociais, que lutavam por direitos. Os pastores ali presentes também foram denunciados de integrarem um bando de ociosos que se locupletavam de turbar a propriedade alheia para alimentar os seus rebanhos.
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O juiz acatou a denúncia e, enquanto decidia, o promotor jejuava e orava, clamando à Javé o deferimento do seu pleito. O juiz expediu a sentença, autorizando que o aparato militar prendesse os presentes. Na sequência, dirigindo-se à José, o juiz interrogou-o sob a mediação imparcial do procurador, questionando-o quem havia realizado as benfeitorias no local. Quem, afinal, havia doado aquela manjedoura ao Menino? Quem estava patrocinando aquele evento em benefício do globalismo espiritual? O Sumo Sacerdote levava a turba ao ápice do êxtase que, disciplinadamente, berrava como ovelhas ordeiras: Aleluia, aleluia, aleluia!!! O religioso esbanjava no uso de metáforas que refletia o dogmatismo da sua fé temperado ao déficit de reflexão sobre aquele sublime momento para toda a humanidade.
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Naquela noite, que deveria ser de paz na terra entre os homens de boa vontade, a balburdia estava instaurada. Os militares e os religiosos atiravam para o alto, pois o porte de arma havia sido liberado por Herodes, além de ter zerado os impostos para importação de armas de todo o Oriente-Médio. As prisões foram realizadas em massa. O Sumo Sacerdote, deslumbrado, entoava hinos de júbilo. O juiz e o Promotor interrogavam sem cessar José, que permanecia calado.
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Maria guardava tudo aquilo no silêncio do coração. Havia um burro aos pés da manjedoura. Era o burro-avô daquele burrinho que mais tarde conduziria Jesus na sua entrada triunfal em Jerusalém. Reclinando-se próximo ao Menino, Maria tomou-O no colo, montou no burrinho e deixou o local adentrando na noite escura. As estrelas haviam desaparecidas do céu e a penumbra tomava conta de tudo. Mesmo longe ainda era possível ouvir os tiros e os alaridos do Sumo Sacerdote seguido pela turba que bradava sem cessar palavras de ordem: “O astrólogo tem razão”, “A fé acima de tudo, Javé acima de todos”. Apesar de tudo, a esperança venceu. O burro salvou o Menino-Deus e a humanidade.
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Clodomiro José Bannwart Júnior é Doutor em Filosofia.